domingo, 24 de outubro de 2010

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

Um comentário:

Filipe disse...

Um todo será, em parte, um número infinito de partes...

Uma parte nunca será um todo, mas há partes que têm a capacidade de cegar-nos para outros infinitos.

Uma parte de mim é certamente uma parte que todo o mundo possui.

Eu sou, todo eu, uma unica parte que se funde com outras partes... (qual matriosca) traduzimo-nos por linhas travessas sem que na maioria das vezes seja possivel perceber quem somos... pela simples razão de que, a razão, mora quase sempre do lado de fora... que há em nós!