quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Viu isto? o Ano é novo...
Qualquer dia renasça.
Pode ser agora.
Feliz qualquer hora
Regina
domingo, 26 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Consideração do poema
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Poetando com Quintana
Faça o que for necessário para ser feliz.
Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.
Mario Quintana
sábado, 20 de novembro de 2010
O que eu gostaria de ser era uma lutadora.,,
Um nome para o que eu sou, importa muito pouco.
Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora.
Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros
Isso desde pequena eu quis.
Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha?
Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’.
Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.
Clarice Lispector "Cartas"
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Remar para onde os telegramas estão chamando
Entre mim e os mortos há o mar e os telegramas Há anos que nenhum navio parte nem chega. Mas sempre os telegramas frios, duros, sem conforto. Na praia, e sem poder sair. Volto, os telegramas vêm comigo. Não se calam, a casa é pequena para um homem e tantas notícias. Vejo-te no escuro, cidade enigmática. Chamas com urgência, estou paralisado. De ti para mim, apelos, de mim para ti, silêncio. Mas no escuro nos visitamos. Escuto vocês todos, irmãos sombrios. No pão, no couro, na superfície macia das coisas sem raiva, sinto vozes amigas, recados furtivos, mensagens em código. Os telegramas vieram no vento. Quanto ao sertão, quanta renúncia atravessaram! Todo homem sozinho devia fazer uma canoa e remar para onde os telegramas estão chamando. Carlos Drummond de Andrade |
terça-feira, 2 de novembro de 2010
O Laço e o Abraço
Como é engraçado!
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... uma fita dando voltas.Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de um abraço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido,em qualquer coisa onde o faço.
...E quando puxo uma ponta, o que é que acontece?
Vai Escorregando...devag
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.
E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.
Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora,deixando livre as duas bandas do laço.
Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, igual meus pedaços de fita, sem perder nenhum pedaço.
Então o amor e a amizade são isso...Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!
domingo, 24 de outubro de 2010
Traduzir-se
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
sábado, 16 de outubro de 2010
Identidade
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Sou um rio que procura o mar II
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
Mario Quintana - O Aprendiz de Feiticeiro
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Amar se aprende amando
O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
O neto

Neste período em que esperamos o neto revirei baús.
Reencontrei escritos e fotos como esta da minha querida mãe
Gostaria que ela estivesse aqui para conhecer o bisneto...
Hoje encontrei este texto de Clarice Lispector
Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].
terça-feira, 28 de setembro de 2010
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
En Revista de Antropofagia, 1928
Incluido en Alguma poesia (1930)
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
A arte do chá
ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
(Leminski )
domingo, 19 de setembro de 2010
No povo meu poema vai nascendo
Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro
Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta
Ferreira Gullar
domingo, 12 de setembro de 2010
Vista cansada
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.
Otto Lara Resende
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Barulho
Todo poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.
O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.
Ferreira Gullar ( que hoje completa oitenta anos)
terça-feira, 7 de setembro de 2010
O coração do pensamento, palavra

Palavra prima
Uma palavra só, a crua palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra
Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra
Palavra dócil
Palavra d'água prá qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra
Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra
Talvez à noite
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra
Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra
Chico Buarque
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Como o rio
Vive sem horas. Quanto mede pesa,
E quanto pensas mede.
Num fluido incerto nexo, como o rio
Cujas ondas são ele,
Assim teus dias vê, e se te vires
Passar, como a outrem, cala.
Ricardo Reis
domingo, 5 de setembro de 2010
Distraídos venceremos

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
Paulo Leminski
sábado, 4 de setembro de 2010
País ou sociedade anestesiada
Na ditadura nós bachareis em Direito sofremos grande cerceamento.
Hoje infelizmente estamos sob outra ditadura.
Uma sociedade anestesiada que apenas se preocupa com o econômico e esquece dos valores éticos.
Votar consciente é algo possível.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Vapt Vupt

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
A nova vida. Tente. Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!
Mudanças um texto de Clarice Lispector
domingo, 29 de agosto de 2010
As vitrines me vendo passar...
Eu te vejo sumir por aí
Te avisei que a cidade era um vão
Dá tua mão, olha pra mim
Não faz assim, não vai lá não
Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão frouxa de rir
Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar
Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão
Chico Buarque
Sou um rio que procura o mar

Anda vem me lumiar com sua chama
Vai anoitecer
Não me importa se o vento quer entrar na nossa porta
Pra assustar você
É que ele não pode entender
Vento não tem onde se deitar
Eu também não descansei até surgir você...
Corre estrada, gira mundo e na cabeça
Torre de Babel
Como pode haver um rio sem a chuva da montanha
Pra poder seguir
Sou um rio que procura o mar
Minha chuva chove de você
E a gente vai andando
Vai amando até o fim.
Chuva na Montanha de Lô Borges
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
ponto na multidão...
Eu não chamo o abandono de solidão
Viver sob a noite estrelada
Atravessar
Ponto na multidão
Quem não se sente só
Sol na pele
Pingos de chuva em cada olhar
Sinais
Passam nas carrruagens que vão pro mar
Vão e não voltam mais
Antes me dão um nó
Quem repara bem na paixão
Não separa um sim de um não
Um não de um talvez
Terá sua vez
A primeira condição
De um amor viver de ilusão
Querer ser feliz
Sugar na raiz
Tudo em você
Quem não sente a brasa dormida do coração pulsar
Diz alguém que não treme frente a visão
Anjo que passa e vai
Imã que nos atrai
Mal secreto não pede esmola nem tem perdão
Viver sob a noite estrelada
Tudo em você
Tudo em você
Beto Guedes
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Conheci rios...
“Conheci rios.
Primevos, primitivos rios, entes passados do mundo, lodosas torrentes de
desumano sangue
nas veias dos homens.
Minha alma escorre funda como a água desses rios.”
José Luandino Vieira o livro dos rios ( poeta angolano)
Para atravessar o deserto

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Sophia de Mello Breyner Andresen
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Se cada dia...
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
Pablo Neruda
Últimos Poemas
terça-feira, 17 de agosto de 2010
apesar da distância posso ver ...
Distâncias dizem respeito a lugares. Às vezes, lugares especiais; às vezes, lugares comuns; às vezes, lugares-comuns. Porque distâncias são sempre estados. De espírito, principalmente.
É tão verdade acordar no meio da noite e ter a certeza de que alguém, distante, está pensando em nós, como viver ao lado de alguém que mora em Katmandu - no sentido figurado ou não.
Porque distâncias se formam não por metros ou quilômetros. Distâncias são feitas por pequenas desatenções, desleixos, todas as minúsculas vitórias do menos importante sobre o mais importante, como os atropelos da urgência sobre o ouvido atento.
Distâncias não existem per se , são criadas por nós mesmos, todos os dias, todos os momentos.
Podem ser aumentadas ou reduzidas - pesquisas recentes provam que um simples sorriso é capaz de compensar milhares de quilômetros em distância, da mesma forma que pensamentos, sentimentos, quereres.
É por isso mesmo que, da janela do sétimo andar, consigo ver Lisboa.
apud Flavio Valsani em 23 de abril de 2007 do blog è per oggi?
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Janelas Verdes
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
Mario Quintana (a Rua dos Cataventos)
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
El puente
Para cruzalo o para no cruzarlo
ahí está el puente
en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país
traigo conmigo ofrendas desusadas
entre ellas un paraguas de ombligo de madera
un libro con los pánicos en blanco
y una guitarra que no sé abrazar
vengo con las mejillas del insomnio
los pañuelos del mar y de las paces
Ias tímidas pancartas del dolor
las liturgias del beso y de la sombra
nunca he traído tantas cosas
nunca he venido con tan poco
ahí esta el puente
para cruzarlo o para no cruzarlo
yolIo voy a cruzar
sin prevenciones
en la otra orilla alguien me espera
con un durazno y un país
Mario Benedetti
(De Preguntas al azar – 1984-1985)
A consciência de que ainda se vive.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem imprescindível, que seja de segunda mão.
Não é preciso que seja puro, ou todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Pode já ter sido enganado ( todos os amigos são enganados).
Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar aquelas que não puderam nascer.
Deve amar o próximo e respeitar a dor que todos levam consigo.
Tem que gostar de poesia, dos pássaros, do por do sol e do canto dos ventos.
E seu principal objetivo de ser o de ser amigo.
Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo.
Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo.
Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Carlos Drummond de Andrade
sábado, 31 de julho de 2010
check in & out
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso
conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso
agora
que mais
me poderei vencer?
Mia Couto,
em Raiz de Orvalho e outros Poemas
domingo, 25 de julho de 2010
É um rio que vai...II
Perdi alguma coisa que me era essencial e que já não me é mais.
Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável.
Essa terceira perna eu perdi.
E voltei a ser uma pessoa ...
(Trecho de "A paixão segundo G. H.", de Clarice Lispector)
quarta-feira, 30 de junho de 2010
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Quartas-feiras
as grandes ocasiões é que não faltam amigos.
Principalmente neste Brasil de coração mole e escorrendo.
E a compaixão, a piedade, a pena se confundem com amizade.
Por isso tenho horror das grandes ocasiões.
Prefiro as quartas-feiras."
Mário de Andrade
sexta-feira, 18 de junho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
É um rio que vai...
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração...
Não precisava não acenar
Não precisava não promessas demais
Não precisava não acenar
Muita felicidade é um rio que vai
O rio que vai, o rio que vai me levar
Não passa na sua cidade
O paraíso, o paraíso começa
É só começar um sorriso
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Num lugar comum
Onde nós dois somos um
Um que não tenha amizade
Para nenhum, para nenhum não tem jeito
Algum que não bata no peito
Ao poeta Paulo Leminski que fez parte desta composição
sexta-feira, 11 de junho de 2010
terça-feira, 8 de junho de 2010
quando todos os recos recos tocarem

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Mario Quintana
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Desencontrários

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.
Paulo Leminski
domingo, 6 de junho de 2010
alaranjando a vida

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Adélia Prado
quarta-feira, 2 de junho de 2010
a importância das pessoas...
O sonho
Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.
Clarice Lispector
segunda-feira, 31 de maio de 2010
R(a)esto de ti... por Filipe
Pé ante pé… deixas marcado no chão o brilho dos teus olhos. Eleva o teu olhar… quando o fizeres, verás como o céu terá mais estrelas! Verás como novas direcções vais descobrir… há sempre rumos novos a despertar.
Há uma constelação maior onde tu és a estrela brilhante, e a lua que se veste de astro rei, engana como quem te troca a noite pelo dia.
apud Filipe Martins "minha sombra blogspot.com"
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Escolha o título
O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro.
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que fica uma possibilidade perpétua
Somente num mundo de especulação.
O que poderia ter sido e o que foi
Apontam para um só fim, sempre presente.
Quatro Quartetos de T.S. Eliot
terça-feira, 4 de maio de 2010
entretanto entrementes entre
O sonho encheu a noite,
extravasou pro meu dia, encheu minha vida.
E é dele que eu vou viver...porque sonho não morre.
Adélia Prado
domingo, 2 de maio de 2010
Tan lejano y sencillo
Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.
.
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.
.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.
.
.
[Poema XV - Pablo Neruda]
quarta-feira, 28 de abril de 2010
sábado, 24 de abril de 2010
Um café, se faz favor.
Sento-me num café e fico uma hora inteira a ver passar na rua as trinta mil pessoas da cidade. Convencidas, vencidas, alegres e tristes, inquietas, calmas, inseguras, deslizam como imagens num écran. Naquele momento, dir-se-ia que cada um concentra em si o destino do mundo. E, afinal, um segundo depois, não fica no seu caminho o mais leve sinal de tanta significação que parecia ter. Representou apenas um papel semelhante ao daqueles protagonistas de tragédias e comédias contadas num jornal que a criada amarrota, mete no fogão e queima.
Miguel Torga
de um blog tuga para este tasco brazuca
Nunca mais
Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa −
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Em cada olhar , um sentir
São outras as paisagens quando alguém
as vê pelas janelas do seu próprio coração ou quando
com esse coração
a própria estrada está comprometida.
Luís Miguel Nava
poesia completa (1979-1994)
Rebentação
Dom Quixote publicações 2002
quinta-feira, 8 de abril de 2010
A adiada enchente
Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.
Me tornei antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E eu a esperei
como um rio aguarda a cheia.
Mia Couto
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Balaio do Kotscho
Na última postagem a pergunta:
Estamos ficando mais intolerantes?
http://www.revistabrasileiros.com.br/secoes/balaio-do-kotscho/noticias/1406/
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Nem sempre sou igual

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés -
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...
ALberto Caeiro
quarta-feira, 31 de março de 2010
domingo, 28 de março de 2010
Preparativos de viagem
Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!
Mario Quintana - Preparativos de Viagem
sábado, 27 de março de 2010
A construção da alegria
Toda alegria longa e autêntica é severa.
O que não impede que a alegria seja leve e tenha gosto de vinho.
Assim é a alegria.
Não cai do céu, nem salta do mar, nem nos bate à porta de repente, como a visita de um anjo.
Ela é o barco que projetamos e construímos, no espaço do nosso tempo.
A alegria autêntica vai consistir em nos dispormos, embarcados, ao serviço do ser.
Esse ofício é paixão e disciplina, perseverança e esperança, modéstia e embriagada lucidez.
Hélio Pellegrino, em A Construção da Alegria
quinta-feira, 25 de março de 2010
IDEC denuncia a farra dos bancos
O Código de Defesa do Consumidor.
Impossível.
Bacharel em Direito desde 1977, em plena ditadura militar aprendi a ler nas entrelinhas a falta de justiça e as novas ditaduras
O mundo todo deveria manifestar-se.
Isto não acontece só no Brasil.
Lembro dos meus queridos "viejos de la calle Florida" que todo dia panfletavam na porta dos bancos.
Finalmente em 2007 ganharam a causa.
Dirija-se ao Juizado Especial Cível quando o valor não ultrapassar 40 salários mínimos.
Se o valor for maior dirija-se aos Tribunal de Justiça do Estado em que ocorreu o dano.
Sempre procure um operador do direito para se informar.
Busque seus direitos sempre.
Deixo este link, leia e confira com seus próprios olhos
http://www.idec.org.br/bancos/
terça-feira, 23 de março de 2010
Caminho

Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco.
Sophia de Mello Breyner Andresen